Convidados trazem reflexões e desafios sobre a condição humana

A mesa de convidados foi composta por Luciana Salazar Salgado e Wolfgang Leo Maar, docentes da UFSCar e a artista Flor Märia.

Trazemos aqui um breve relato sobre essas participações, as quais agradecemos pela presença e pelo entendimento da proposta deste novo programa.

 

Condição humana e emancipação – o ser humano se define pelo que é a sociedade

O Professor Wofgang trouxe em sua fala as reflexões sobre a nossa condição humana na perspectiva política e sociológica, abrindo sua fala saudando a criação do PPGECH e o evento que possibilita, ”com humor e alegria, a reunião  pessoas interessadas em conhecimento, em relações, em novidades, em discutir e refletir a realidade, das mais diversas maneiras, de um modo coletivo”.

Ao fazer um paralelo com seus tempos de Universidade, na década de 60 do século passado, o professor identifica interesses e intenções similares: a reflexão sobre o tempo em que se vive, uma vez que a “condição humana não pode ser abordada de maneira abstrata”. Assim como no tempo da ditadura militar, os momentos posteriores de democracia socialmente dirigida e o atual retrocesso, estamos em um momento em que devemos ter a esperança de que tudo pode mudar.

O palestrante considera que a palavra condição foi bem escolhida pelo Programa, pois é “aquilo que condiciona nossa vida. Somos condicionados hoje na sociedade moderna de uma determinada maneira que nos prende, que limita nossas possibilidades, mas podemos mudar essas condições”. Podemos pensar na emancipação dessa condição humana, uma vez que se são construídas socialmente, da mesma maneira podemos coletivamente e socialmente nos libertar dessas amarras, analisa o professor.

Considerando que a condição humana que estamos enfrentando - da exploração capitalista - é uma condição desumana e que o Brasil é parte disso - já que a maior parte do povo brasileiro vive uma condição desumana que não é escolha, mas é imposta - não é possível discutir a condição humana sem discutir a condição desumana dessa parcela da população.

O professor pondera que esta situação não é atual, mas fruto de uma trajetória de autoritarismo e violência de cinco séculos, fundada em uma colônia de exploração, cujas condições ainda persistem. A Universidade, nesse contexto, deve acolher programas como o PPGECH, pois é um lugar de resistência para somar às outras forças vivas da nação e romper o ciclo que há cinco séculos nos condena à miséria material e intelectual, de organização e reflexão.

 Ao defender as Ciências Humanas e alertar para o perigo de estar sendo alvo de políticas desestruturantes, analisa: “As políticas democratizantes ajudaram o povo brasileiro a pensar na sua sociedade, mas mesmo parte dos beneficiários não souberam apreciar adequadamente a experiência”.  Nesse sentido, Wolfgang afirma que é importante pensar sobre o que fizeram conosco, mas também o que vamos fazer com o que fizeram conosco - uma construção a partir do que acontece hoje para a construção de um futuro que não sabemos o que vai ser.

E é também na Universidade que isso pode ser experimentado como um lugar de resistência, de comemoração e de construção.  

 

 Não basta furar a bolha, é preciso não viver em bolhas - isso é cultura digital, a "não bolha"

A professora Luciana inicia sua fala pontuando seu trabalhado com os professore do PPGECH, em bases que considera realmente interdisciplinares, o que pressupõe a escuta para o modo como o outro fala das coisas de que ele fala e da copresença, em reuniões também presenciais. E avalia: “Todos estamos celebrando a mesma coisa que é o nascimento de um programa que dá um passo adiante, um passo da resistência à insurgência contra a política de silêncio de morte que se abateu sobre nós, que recusamos aqui. Estamos juntos em copresença, alimentando os laços de afeto para além das afinidades teóricas e epistemológicas e estamos celebrando as relações cultivadas”.

Segundo a palestrante, as relações cultivadas são a nossa humana condição, radicadas no presente e nos trazem o sentimento de gratidão, que é a alegria do pertencimento a alguma coisa que é maior que cada um de nós.

Desdobrando a fala do professor Wolfgand - as reflexões sobre a condição - propõe o tema  “o digital e a condição humana”  para refletir sobre as condições técnicas algorítmicas e as mídias digitais como importantes para os conceitos decorrentes Para isso, traz o conceito  da ‘agonia do eros’, que trata da “agonia da pulsão de vida no sentido de que a disposição erótica que nos põe abertos para o que é o outro, para nos darmos ao contato do que é diferente de nós mesmos, para aceitar viver o que não sabemos direito o que é e que por isso vivemos com delícia, com vertigem com deslocamento de nossos centros”

Nesse sentido, analisa a palestrante, os dispositivos digitais são hoje lugares nos quais  concedemos nossos dados, nosso tempo, nossos desejos. Transformados em produtos, somos chamados de clientes, quando na verdade servimos a esses negócios que nos ultrapassam como seres humanos.

Abordando várias situações do cotidiano em nossa relação com o digital e, especialmente, com as redes sociais, a professora alerta para como os sistemas vão conduzindo nossas interações cotidianas ao resolver o que vai ser oferecido e o que não vai ser oferecido a nós, por uma aparente gratuidade. Mas é o nosso engajamento que paga a conta: “Essas estruturas complexas e caras não são gratuitas. E nos mantem em permanente movimento, aflitos, pulando de uma coisa a outra. Precisam disso e assim ficamos todos respondendo a notificações e produz-se um sentimento de irritação, já que somos chamados a ciscar de lá pra cá o tempo todo”.

Esta técnica está distribuída desigualmente no globo , mas está no globo todo, produzindo o sentimento do mundo, que segundo Milton Santos, produz, a partir dessa tecnosfera, uma psicosfera.

Se soubermos onde estão a “Nuvem”, o Google, os aplicativos como o Uber, que produzem capital econômico e simbólico, instalados em imensos galpões hiperrefrigerados, num deserto do Vale do Silício, 24 horas por dia, mantidos por técnicos superqualificados, temos  a possibilidade de mudar o modo hegemônico com que nos relacionamos com tudo isso.

A palestrante deixa um recado “Nós, aqui reunidos, que nos pretendemos autônomos, temos algo a fazer sobre isso, entendendo como objetos como o celular são portadores de discursos e organizam o nosso viver, reunindo a nossa experiência mais intima a mais pública”.